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O Caminho das Tropas

A História do Caminho das Tropas e da fundação de Lages se completam. Para compreendê-las, primeiramente precisamos  estudar a colonização portuguesa no sul do território que hoje  chamamos de Brasil.

No século XVI, a Coroa Portuguesa iniciou a colonização na  América. Os territórios encontrados por eles deveriam ser  povoados por portugueses para garantir a sua ocupação, uma vez que Portugal tinha receio de perder seus domínios para outros países europeus. Desta forma, dividiu o território, até então pouco conhecido, em capitanias hereditárias. Os povoadores portugueses deveriam explorar a terra e fundar vilas.

Observa-se na imagem um trecho do antigo caminho Viamão-Sorocaba, a “Estrada Geral das Tropas”, aberta na primeira metade do século XVIII. Fonte: Fabiano Teixeira dos Santos, 2009.

No século XVIII, houve uma série de mudanças no sistema administrativo do Brasil Colônia. Foi nesse período que se extinguiu o sistema de capitanias hereditárias (1759), e criaram-se outras capitanias: a de São Paulo e a das Minas de Ouro (1709), que mais tarde foi desmembrada: Minas Gerais (1720), Goiás (1744) e Mato Grosso (1748), as capitanias de Santa Catarina (1738) e Rio Grande de São Pedro (1760).

Nosso foco de estudo está nas capitanias de São Paulo e Santa Catarina. A capitania de São Paulo, no período colonial, incluía o estado do Paraná e todo o Planalto, Meio-oeste e Oeste de Santa Catarina, até a margem norte do rio Pelotas. O território da Capitania de Santa Catarina restringiu-se apenas ao espaço compreendido entre a faixa litorânea e as costas da Serra do Mar e da Serra Geral. O interior permaneceu desconhecido e não povoado por portugueses e seus descendentes, esses fixando-se preferencialmente ao longo da orla marítima. Isto significa, portanto, que até o ano de 1820, as terras que hoje compreendem a cidade de Lages pertenciam a capitania de São Paulo. Observe abaixo os limites da Capitania de Santa Catarina e o mapa atual do estado: 

Território da Capitania de Santa Catarina no final  do século XVIII
Mapa do Estado de Santa Catarina
Observe que a parte destacada em rosa no mapa atual corresponde aos limites da antiga Capitania.

Fonte: BRUGGEMANN, Adelson André. Ao poente da Serra Geral: a abertura de um caminho entre as capitanias de Santa Catarina e São Paulo no final do século XVIII. Florianópolis: Editora da UFSC, 2008, p. 167.

“Demonstração do Caminho que vai de Viamão até a Cidade de S. Paulo”. Mapa de autoria do Sargento João Batista, anterior à fundação de Lages (1766). Acervo: Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa.

 

Por volta de 1730, em meio às disputas territoriais que traziam a guerra entre portugueses e espanhóis, a região hoje definida como Planalto Serrano (vasto território de campos e bosques de Araucária angustifólia), no Estado de Santa Catarina, conhecida, à época, como “Campos das Lagens”, foi atravessada pelo caminho Viamão-Sorocaba, mais conhecida como a Estrada Geral das Tropas. Abriu-se um caminho no sertão. 

Esses campos encontravam-se até então despovoados pelos portugueses e eram visitados esporadicamente pelos indígenas guaranis missioneiros, que vinham em busca da grande quantidade de gado alçado ali existente, destinado ao abastecimento das estâncias das reduções jesuíticas do rio Uruguai.

Assim, o antigo caminho que existia desde o final do século XVII ao longo da costa, entre a Colônia do Sacramento e Laguna, o caminho da Praia, foi desviado para Oeste em 1728, na altura da atual cidade catarinense de Araranguá, alcançando os Campos de Cima da Serra e rumando daí para a vila de Curitiba.

Além do mais, o trajeto realizado pela faixa litorânea praticamente inviabilizava o transporte regular de cargas e tropas de animais, em função da presença de alagadiços, rios e dunas, por vezes difíceis de atravessar.

1.	“Demonstração do Caminho que vai de Viamão até a Cidade de S. Paulo”. Mapa de autoria do Sargento João Batista, anterior à fundação de Lages (1766). Acervo: Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa.

Quando a capitania de Santa Catarina foi criada em 1738, tornando-se independente da capitania de São Paulo, porém subalterna à do Rio de Janeiro, sua extensão territorial estava limitada às proximidades da Ilha de Santa Catarina (atual Florianópolis). Par além deste território, o interior ficou conhecido como sertão. Vejamos alguns de seus significados. Quanto aos navegadores portugueses do século XVI, o termo foi genericamente utilizado para todo o território oposto à costa, sendo empregado identificação dos diversos lugares do interior. Pelos paulistas, os sertões foram, no início da colonização, percebidos como lugar de risco e perigo, terra de inimigos e bichos indomáveis. Por fim, ao longo do período colonial brasileiro, esse termo pode ser compreendido também como sendo o local de terra nova, remota e fronteira.

Como a ligação entre o planalto paranaense e São Paulo já existia, o caminho de Viamão acabou por consolidar a ligação entre o Sul e o Centro da Colônia. De forma a garantir o controle do comércio de animais destinados a São Paulo mediante a cobrança de impostos, e ao mesmo tempo propiciar maior segurança aos tropeiros e viajantes, por volta de 1754, na margem sul do rio Pelotas, junto ao Passo de Santa Vitória, entre os atuais municípios de Bom Jesus (RS) e Lages (SC) foi instalado um registro, espécie de praça de cobrança de pedágio guarnecido por um destacamento militar do exército português

Na cidade de Sorocaba, último ponto do Caminho das Tropas, concentrou-se a atividade tropeira por aproximadamente 150 anos, gerando muitos lucros em impostos à Coroa Portuguesa e garantindo o fornecimento de animais de transporte a todo o restante do território brasileiro.

Estima-se que no período compreendido entre 1724 e 1890, do qual existem dados estatísticos referentes às tropeadas de mulas e cavalos provenientes do Sul e destinadas às feiras paulistas, foram comercializadas mais de trezentas mil cavalgaduras, além do fornecimento de charque e de gado bovino vivo que abastecia as fazendas de criação ao longo do caminho até São Paulo. No início do século XIX, com a decadência da mineração e a ascensão da economia do café, a feira de Sorocaba passou a abastecer o mercado de animais de carga e montaria das fazendas cafeeiras paulistas e fluminenses, o que se estendeu até o início do século XX, quando enfim, diante da ascensão das ferrovias e do surgimento do automóvel, deu-se o fim do ciclo das tropas.

Tropa de mulas cargueiras chegando a Lages pela rua das Parelhas (atual rua Lauro Müller), c. 1890. Fonte: Museu Thiago de Castro.
Tropa de mulas cargueiras chegando a Lages pela rua das Parelhas (atual rua Lauro Müller), c. 1890. Fonte: Museu Thiago de Castro.

 

 

 

Referências

 

BRUGGEMANN, Adelson André. Ao poente da Serra Geral: a abertura de um caminho entre as capitanias de Santa Catarina e São Paulo no final do século XVIII. Florianópolis: Editora da UFSC, 2008.

 

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.

 

SANTOS, Fabiano Teixeira dos. A Casa do Planalto Catarinense: Arquitetura rural e urbana nos campos de Lages, séculos XVIII e XIX. Lages (SC): Super Nova, 2015. Disponível em: <http://casadoplanalto.com.br/> .

Capitanias Hereditárias:  

O território brasileiro colonizado por Portugal no século XVI foi dividio por uma série de linhas paralelas ao equador que iam do litoral ao meridiano de Tordesilhas, sendo cada parte entregue a um capitão-donatário. Os donatários receberam uma doação da Coroa Portuguesa, pela qual se tornavam possuidores mas não proprietários da terra. Tinham caráter hereditário pois seriam transmitidas de pai para filho. No entanto, este sistema fracassou  e foi extinto no ano de 1759 pelo Marquês de Pombal.

 

 

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